tatuada

eu queria ter a pele tatuada, toda ela. desenhada com as minhas palavras de valor, pra não cair na vala das linhas tortas, dos espaços abismos. ter rabiscados os impulsos mais certeiros e o carimbo dos dias de paz. nenhum nome de alguém que tenha me matado de amor. não se pode guardar escrito nada maldito. mas sim gritos de guerra, de vida, de susto. caligrafia dançante para me manter acordada. uma pele de cobra, chifres, asas. um círculo no umbigo para deixar concreto um farol. feijão preto, concha branca, flores roxas que florescem ao contrário. coragem e covardia para lembrar-me de que o fio é sempre tenso. bússola, ampulheta, poesia, paladar, celeste, matemática, o valor de x. não sei como “vento” e “tempo”. por toda a pele pontinhos, pontinhos, pontinhos que sirvam de reticências, grãos, areia, cisco, poeira, pó. o desenho de vasos comunicantes, 2 palavras leão, 1 saturno, 1 satélite. útero. destino, não sei como. 1 pilha saudando a natureza bipolar. num punho “a lágrima é o átomo do mar!” no outro “os múltiplos serão os inteiros”. fé numa sola do pé. rebeldia no outro. impermanência no gogó, encantamento na nuca. voz numa costela à esquerda. povo abaixo, sentido, mais abaixo, sabor, mais ainda e bem grande. ritmo e melodia nas virilhas. antígona, medeia, alice, mariamar, halla, oxum, psiquê, afrodite, dora e todas as personagens mulheres que vem selando a minha expedição, nas partes internas das coxas. saudade entre as covinhas da lombar. na panturrilha direita, que puxa meu passo, a primeira pergunta que me lembro de ter feito na infância “quando é que o amanhã chega?”. por fim, o significado da minha terra, do tupi “kô gôi”: “o que sustenta, o que alimenta”, com uma tinta invisível, bem ali, no cantinho da alma.

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Aula de canto

Devíamos aprender a cantar com o amolador, a lavadeira e o vendedor de loteria

além da voz, de quebra viria a lança afiada, a alma lavada e a sorte traçada…

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A paixão

A paixão é um solo de sax, rasgante. É um pedaço de manga, uma bomba, uma nuvem gorda, é meu gozo carimbado na pilastra de mármore. A paixão é a dormência dos órgãos, um sopro gelado, é a carne salgando no asfalto, é secar a boca e encharcar a buceta. A paixão é um pedaço de paz! É cavalgar uma tartaruga, desvendar as leis do tempo e do espaço, é choque, cabelo, corpo sólido, útero azul. Atônita, lambida, eletrizada, a paixão é gota. Suspensão do mundo físico, elucubração acústica, a paixão é um arranjo, um descompasso, é córnea bamba, joelho frouxo, é tigre, pata, mangue, é mistério da espécie. Apaixonar-se é gangorrar entre o assoalho do oceano e a crista da onda em 19 segundos. É deslizar num pavê, olhar o sol sem cegar. É uma jam session com os carros engarrafados, ronronar fantasias na boca do lobo, uma dança das minhas hemácias. É seduzir o homem pregado na parede do metrô. É fome, susto, aquário, abismo. O baixo me penetra, vermelho. Eu choro de velocidade! Coisa de mulher, coisa de bicho. A paixão é um feitiço!

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As mãos

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Ampulheta

Uma vez eu li que somos filhos do nosso tempo e não do nosso lugar! Então não importa se estamos cá ou lá! Vivemos esse tempo, essas lamúrias. Será que algum dia a memória vai nos deixar em paz? Eu gostaria de ser areia rolando, voando por aí. Aliás eu queria ser uma ampulheta com areia dentro. Uma ampulheta, uma am-pu-lhe-ta. Palavra bonita?! É isso, uma ampulheta parada! Dizem que os relógios de corda quando aproximados, igualam as batidas. Como as mulheres que igualam os seus ciclos. Talvez se ficássemos no mesmo espaço, no mesmo tempo… Entraríamos no mesmo compasso.

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As coisas

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Talvez ela esteja ficando velha! Antes ela era tão prática. Agora se demora passeando os dedos pelas letras dos jornais guardados, amarelos, muito amarelos. É como se aquelas coisas fossem trazer as outras coisas de volta. Ela não quer jogar nada fora.Talvez aquelas coisas se tornem indícios. Pistas de fatos, pessoas que com o tempo vão se amarelando dentro da cabeça. A memória vai diminuindo e sobram as coisas. A vista vai diminuindo e sobram as coisas pra passar os dedos. As pernas vão diminuindo o passo, mas restam as coisas pra se debruçar, deitar, dormir. As coisas não a deixam morrer, as coisas.

Imagem: Vinícius Souza

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Carta para Janis Joplin

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Cara Janis Joplin,
Te escrevo do futuro, de um caótico 2016. O ar é denso, muitos descabimentos e conservadorismos por aí. Neste novo milênio ainda bradamos por liberdades que você já cantava nos anos 60. Sou uma garota latino-americana, brasileira, artista e tenho 27 anos. No tempo congelado você também tem 27 anos. Capricorniana que é, em breve completaria suas 28 primaveras. Mas sua intensidade te fez partir antes. Não dar conta da própria existência é algo muito louco. Te escrevo essas palavras sob um belo sol de verão, ouvindo os seus maravilhosos agudos destemidos. Que lindo sentir você cantando a paixão e o quanto ela nos tira da rota, nos leva ao improviso a cada segundo. “Baby, porque o amor é como estar numa prisão!” Quando pequena eu não tinha ídolos. Sempre achei essa história uma espécie de cegueira desnecessária. Hoje tenho várias musas e musos que me inspiram a implosões, êxtases, ímpetos de arte e vida! Devo dizer que suas ousadias, distorções e cabelos soltos me libertam! Hoje não sei o que você é, aonde está! Com certeza não é um corpo em decomposição. Já deve ter virado raiz forte, uma borboleta, uma tigresa, lava de vulcão ou a nota si! Nos encontramos por aí.
Te evoco em cada grito, eu sei que você escapa um pouco por eles.
Cantar é um tesão! Muita luz pra ti.
I love you, baby.
Luísa Bahia.

Foto: Maíra Cabral

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Uma montanha chamada mulher

Nasci em 1989, ano em que o muro caiu.

Esquerda, direita, volver, olha o golpe,

Brasil!

Eu sou um triângulo equilátero vermelho.

Sou um quadrilátero ferrífero em desespero.

Eu jorro leite, diamante.

Não, não me venha com falsas carícias!

Não invada as minhas veias.

Eu sou um colosso, eu gero, procrio,

Se for preciso, mato.

Sem afago, te afogo.

Não me venha com o seu porrete!

Eu fundo revoluções.

Dou cria a lodo, lama, pele, carne, osso, osso.

Não venha tirar o meu caroço!

A terra deu, a terra dá, a terra cria, procria!

Vá embora da minha casa!

Eu vou juntar as minhas pedras, vou fazer uma intifada!

Sai pra lá multinacional!

Quem foi a pátria que te pariu?

Eu não sou sua escrava!

A minha carne é minha!

A minha lavra é minha!

E você só põe a mão se eu deixar!

Não se aposse do meu corpo, seu animalzinho forte!

Eu sou de pedra, sou de rocha, sou de vera,

Vê se me erra!

Eu sou Mariana, tenho 319 anos, não aguentei, explodi.

Eu sou Roberta e fui invadida, maltratada e me fizeram achar que eu estava louca.

Meu nome é Cristal, sou mulher, negra, trans e vou continuar existindo!

Meu nome é Curral e sou Serra só de fachada.

Sou chapada, explorada, estuprada.

Sou pimenta, labareda, silenciada.

Mas também sou pedra de amolar faca!

Arrombo vidraça!

Eu sou vista, paisagem natural.

Existo e não vou morrer de tiro.

Sou hematita, cassiterita, pedra bonita.

Sou o Pico do Itacolomy.

Sou mulher, sou montanha!

Sou mina, minas!

Meu sangue é fertilizante!

Feito pedra preciosa.

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Carnoficina

Eu alugo o meu coração
Pra bater em um peito mais leve
Pra bombear uma tristeza breve

Eu alugo o meu fígado
Pra melhorar o humor dos dias
Embriagar o tom das noites

Eu alugo o meu cerebelo
Pra equilibrar outros pés
Coordenar outras revoluções

Eu tô à venda
Chã de dentro, picanha
Maminha e sobrecoxa
Temperadamente forte
Viva!!!
Ao molho pardo.

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Road movie inside

Eu queria ser uma índia

Eu queria estar numa espaçonave

Talvez ser uma bruxa

Alguém que só esteja pacientemente esperando um ônibus

Eu queria ser a dona do seu coração

Eu queria estar roubando uma jabuticaba

Dando comida às galinhas

Eu queria estar fazendo uma grande obra de arte

Eu deveria estar fazendo uma grande obra de arte

Queria um quintal pra cuidar

Um quintal que cuidasse de mim

Queria gritar até quebrar os vidros

E ter passos mais silenciosos

Queria um mundo de formigas

Queria não estar sentindo inveja daquela garota

Sim, ela finge bem que está tudo bem

Só queria que você estivesse aqui

Eu poderia ser menos patética

Odeio poemas de amor

Sou acética, adepta, ateia, sei lá

Só é difícil esperar pra dizer que eu quero te ver agora!

Eu saio na rua seduzindo os carros, treinando táticas pra você

É você, você…

De longe não merece tanto

Mas voltando ao querer

Puxa, traz uma pipoca, diz que você quer ser livre também.

Um aeroplano, um paraglider, sim, eu queria…

É só o que eu penso, na duração do beijo.

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